No Dia das Mulheres, comemorado em 8 de março, a Drª Monica Andersen foi homenageada ao lado de outras cientistas brasileiras em uma reportagem no jornal Estadão. Veja abaixo uma parte da matéria ou, ainda, acesse o PDF com ela completa aqui.
MAIS MULHERES, CADA VEZ MAIS, FAZEM CIÊNCIA NO BRASIL
Em 20 anos, presença feminina passou de 35% para 44% entre os pesquisadores que publicam estudos.
Na semana passada, o esforço para rapidamente sequenciar o genoma do coronavírus identificado em um brasileiro foi liberado por um grupo de pesquisa composto em sua maioria por mulheres – fato que acabou chamando tanto ou mais atenção que o feito científico em si. Mulheres que se destacam na ciência, porém, estão longe de ser uma raridade no País, apesar de ainda reinarem algumas desigualdades.
A proporção entre homens e mulheres que publicam pesquisas no Brasil vem crescendo e está cada vez mais próxima, como revelou o recém-publicado relatório A Jornada do Pesquisador pela Lente de Gênero, da editora científica Elsevier. O levantamento aponta uma proporção de 0,79 mulher para cada homem que publica artigos no Brasil. Em porcentagem: 44,25% são mulheres e 55,75% homens. O estudo foi antecipado pela Revista Pesquisa Fapesp.
A pesquisa considerou a paridade de gênero entre cientista de 15 países – além da União Europeia como bloco – a partir de publicações em periódicos da base Scopus em dois períodos: entre 2014 e 2018 e entre 1999 e 2003.
Ao longo desses 20 anos, houve um avanço de participação feminina em todo o mundo. Passou de 29% para 38% o número de mulheres entre os autores de pesquisas científicas. No Brasil, no início do século, 35,3% dos autores eram mulheres.
Atualmente, em termos de paridade, o País só perde para Portugal (78,32%), e para a Argentina, única nação que tem mais mulheres cientistas assinando artigos que homens: 51%. Mas fica à frente de países como Estados Unidos (33,62%), Alemanha (32,02%) e França (38,91%). A pior proporção foi registrada no Japão, com apenas 15,22 de mulheres entre os autores e pesquisas.
No Brasil, no período de 2014 e 2018, cada homem publicou, em média, 4,27 artigos, entre 3,11 por mulher. Mas essa diferença, aparentemente, teve pouco impacto no nível de citação dos autores por outros pesquisadores, que foi similar para os dois gêneros.
CARGOS DE CHEFIA
“Em geral a presença feminina melhorou como um todo na educação no país. No ensino médio, elas completam mais os estudos que os meninos. Uma análise feita pela OCDE com pessoas entre 18 e 30 anos mostrou que quanto 30% delas não havia terminado o ensino médio, entre os homens era mais de 40%, comenta a bioquímica Helena Nader, de 72 anos.
Ex-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e atual vice-presidente da Academia Brasileira de Ciência (ABC), Helena afirma que há avanços claros, mas pondera que ainda são poucas as pesquisadoras no Brasil que chegam a cargos elevados na academia.
“O cenário está melhorando, hoje as mulheres são maioria entre ingressantes do ensino superior e elas também se formam mais que os rapazes. Na pós, como um todo, também, mas entre os bolsistas de produtividades do CNPq os homens ainda são maioria”, aponta.
Essas bolsas do CNPq, principal órgão de fomento à ciência no País, têm os valores mais altos e aumentam à medida que cresce a produção do pesquisador. Levantamento feito pela ONG Gênero e Número sobre a base do CNPq em 2015 observou que apenas 5% dos bolsistas 1A, o nível mais elevado do órgão, eram mulheres – uma situação que foi apelidada de “teto de vidro” na ciência.
A fim de dar visibilidade ao trabalho das mulheres que fazem ciência no Brasil, a Gênero e Número lançou recentemente a plataforma Open Box da Ciência, que selecionou 250 pesquisadoras no Brasil que mais se destacam nas suas áreas (leia mais abaixo). “Na ABC, em uma ação afirmativa, ficou em quase meio a meio os ingressantes deste ano. Mas nas agências de fomento, quantas mulheres foram presidentes? Nenhuma na Finep, no CNPq, na Fapesp”, enumera.
Na Capes, dos 49 coordenadores de áreas, somente 14 são mulheres. Uma delas é Cristina Parada, de 56 anos, que coordena a área de Enfermagem. Pesquisadora e chefe do Departamento de Enfermagem da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu, ela diz que sente menos a disparidade de gênero justamente por estar na área com maior presença feminina.
Mas diz que na produção científica em geral ainda há o problema. “Trabalhamos muito, com competência, mas ainda somos menos conhecidas e reconhecidas”, afirma. Na sua experiência profissional, diz que sempre buscou adotar uma postura em que demandou ser tratada em pé de igualdade. Mas sabe que não é assim para todas, em especial em relação à maternidade.
Uma das questões que faz as mulheres serem pretendidas em bolsas de produtividade é porque o tempo considerado para medir a produção corre igual para os dois gêneros. Então mulheres que se ausentam na gravidez ou na licença maternidade acabam ficando com indicadores mais baixos – um critério que as mulheres tentam mudar.
“Eu busco ter esse cuidado com quem trabalha conosco, como nossas alunas, porque a maternidade é tão importante, tão única e cada vez mais rara. A maioria vai passar por isso uma, no máximo duas vezes na ida. E a gente de alguma maneira proteger alunas, colegas de trabalho. Fazer crítica é absolutamente incabível”, ressalta.
“Acho que o que a mulher brasileira conseguiu em tão pouco tempo, não ocorreu em nenhum outro lugar. Não podíamos ir à escola, votar. A mulher percebeu que consegue ter família, cuidar dos filhos, fazer ciência. Agora já temos mais mulheres como reitoras, apesar de ainda serem minorias. Está aumentando”, diz Helena.
Além dela, A SBPC teve somente duas outras presidentes mulheres: a pioneira Carolina Borl e Glaci Zancan. Na ABC, Helena é a segunda mulher a ocupar uma vice-presidência. Mas ela afirma que está preocupada que haja um retrocesso.
“A ciência está sob ataque. O país está retrocedendo, como machismo, com piada de mulher. E me preocupa que isso venha de representantes do governo. Está voltando a velha ideia de que a responsabilidade dos filhos, da casa, é da mulher. E que se mantenham os recursos na ciência, ou não vamos ter nem mulher nem homem na ciência. ”
MAIS NAS BIOLÓGICAS, MENOS NAS EXATAS
A distribuição mais equânime observada no estudo de gênero por autores, porém, não se mantém em todas as áreas do conhecimento. As cientistas brasileiras ocupam posições melhores nas médicas e biológicas. Considerando os temas dos artigos publicados entre 2014 e 2018, a participação feminina era majoritária na autoria de estudos sobre diabetes e endocrinologia (1,44 mulher para cada homem); psicologia (1,65) e pediatria (1,81).
A área com mais mulheres, disparada no estudo, é enfermagem, com 2,7 das mulheres para cada homem – uma hegemonia que se repete em todo o mundo e que, no caso do Brasil aumentou ao longo dos anos. No levantamento anterior, apesar de elas já serem maioria, a relação era menos: 1,6 para 1.
Chama a atenção os saltos observados em algumas áreas. Em fertilidade e nascimento, por exemplo, elas deixaram de ser minoria no período de 1999 a 2003 (0,8 mulher para cada homem) para se tornarem maioria no período de 2014 a 2018 (1,53 para 1). Isso também ocorreu em clínica médica geral (de 0,77 para 1,32) e em neurociência (de 0,85 para 1,20).
Elas são maioria também, mas já em mais pé de igualdade com homens, em estudos de bioquímica, câncer, biologia molecular e celular, odontologia, medicina, farmacologia e saúde pública.
Nas exatas, porém, elas ainda estão sub-representadas. Apenas 0,25 para 1 tanto na ciência da computação quanto na matemática – em taxas que praticamente não mudam desde o período anterior. Nas engenharias e na área de energia, elas são apenas 0,3 para cada homem.
Mas em todas as outras áreas houve alguma melhora. Em ciências planetárias, por exemplo, a proporção subiu de 0,26 para 0,46 para cada homem. Em economia, foi de 0,1 para 0,4. Em ciências agrícolas, de 0,56 para 0,82.
DO SONO AO SEXO
MONICA LEVY ANDERSEN
PROFESSORA E VICE-CHEFE DO DEPARTAMENTO DE PSICOBIOLOGIA DA UNIFESP
O tema principal da pesquisa da bióloga Monica Levy Andersen, de 46 anos, é considerado ainda meio tabu mesmo dentro da ciência: o impacto que dormir mal pode ter sobre a sexualidade.
Especialista em sono, já descobriu que não ter boas noites de sono pode levar à impotência. A apneia, por exemplo, pode acabar prejudicando a ereção; o homem privado de sono tem redução de testosterona; a mulher tem menos frequência sexual e satisfação; a insônia pode piorar a TPM.
“Havia apenas cinco pesquisadores em todo o mundo que estudava o assunto quando comecei, em 2000. Tem muito estudo sobre o sono no mundo, mas a maioria sobre impactos e alterações cardíacas, no bem-estar em geral. Acho que ainda existe um certo tabu, vergonha”, conta a pesquisadora, que percebe, por outro lado, uma enorme curiosidade de colegas por seus resultados, mesmo velada, algumas vezes.
Por parte dos pacientes que ela avalia no Instituto do Sono, da Unifesp, há um sentimento de alívio. “Muitos têm dificuldade de debater isso com seus médicos. Mas já ouvi de homens comentários do tipo: “Ufa, agora está explicado... Tenho apneia e há três anos não tenho ereção”, lembra a pesquisadora.
No ano passado ela coordenou a quarta edição do maior levantamento sobre problemas de sono na capital paulista, o Episono São Paulo. É uma pesquisa feita de porta em porta, na casa das pessoas, para basicamente saber como dorme o paulistano e quais consequências ele pode ter – não apenas no campo sexual.
“Em muitos casos, quando vai se buscar um especialista brasileiro em um assunto, é sempre o fulano, nunca a mulher.”
Cerca de mil entrevistados – com idades entre 20 e 80 anos – foram depois para o Instituto do Sono para passar a noite e ter possíveis distúrbios avaliados por polissonografia. Os dados estão sendo compilados e devem ser divulgados no segundo semestre. O levantamento anterior, de 2007, tinha mostrado que 1/3 das mulheres participantes tinha insônia e 40% dos homens roncavam e tinham apneia.
Monica conta que sempre quis ser cientista e uma das suas linhas de trabalho é incentivar crianças a também buscarem uma carreira em ciências. Para isso, edita o gibi “Dona Ciência”, que traduz para a linguagens mais simples descobertas científicas e também divulga a presença de mulheres na ciência.
A bióloga afirma que não chegou a enfrentar dificuldade especificas por ser mulher em nenhum momento da carreira, mas reconhece que elas ainda enfrentam barreiras na academia. “Em muitos casos, quando vai se buscar um especialista brasileiro em um assunto, é sempre fulano, quase nunca a mulher”, afirma.
Para tentar minimizar alguns tipos de situação que podem constranger as mulheres, ela criou na Unifesp um grupo de trabalho de valorização da maternidade na ciência.
Monica escolheu não ser mão quando surgiram oportunidades no exterior que eram também seu sonho – ela fez pós-doc na Universidade Emory, onde depois foi professora visitante, e também teve esse cargo na Escola de Medicina de Harvard. Mas entende que a maternidade ainda é “uma questão” para as cientistas.
“As bolsas de produtividade são dadas com base na análise de triênio ou do quinquênio de produção. Uma mulher que teve de ficar de repouso por alguns meses na gestação, que saiu para a licença maternidade, que no início da vida da criança não tem todo o combustível para tocar o dia a dia da pesquisa, acaba sendo prejudicada diante da colega que não tem filhos ou do colega homem”, pontua.
“E aí ela não ganha a bolsa e acaba sendo ainda mais prejudicada na sua produção futura. Defendemos que a avaliação deveria ser abonada a licença-maternidade. É claro que ela não tem como produzir o mesmo que os demais, mas é cobrada igual. Mas queremos mães que amamentem, que ensinem bem seus filhos. Não que sejam forçadas a ir ao mercado sob o risco de conseguir concorrer em um edital”, explica.
Comments